terça-feira, 31 de julho de 2012

Soneto do desmantelo azul

"Então, pintei de azul os meus sapatos
  por não poder de azul pintar as ruas,
  depois, vesti meus gestos insensatos
  e colori, as minhas mãos e as tuas.

  Para extinguir em nós o azul ausente
  e aprisionar no azul as coisas gratas,
  enfim, nós derramamos simplesmente
  azul sobre os vestidos e as gravatas.

  E afogados em nós, nem nos lembramos
  que no excesso que havia em nosso espaço
  pudesse haver de azul também cansaço.

  E perdidos de azul nos contemplamos
  e vimos que entre nós nascia um sul
  vertiginosamente azul. Azul."

Carlos Pena Filho.
Livro Geral, página 77, composto e impresso nas oficinas da Gráfica e Editora Liceu para
Maria Tânia Carneiro Leão e Clara Maria do Souto Pena, 1999.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Desafio aos analistas

"Sonhei que um peixe tirava a roupa e ficava nu."

Clarice Lispector.
A descoberta do mundo, página 122, Livraria Francisco Alves Editora S/A, 1992.

domingo, 29 de julho de 2012

Minhas células se regeneram e mesmo assim sigo envelhecendo
A pele é sempre trocada por outra
Mais flácida
Mais sem brilho e fulgor
E assim vou aprendendo a ser quem não sou
Um outro que começa a me frequentar tão assiduamente
Que, pouco a pouco, sem que eu perceba
Faz de mim sua morada derradeira.
Quanto tempo mais devo esperar pra ser feliz?

sábado, 28 de julho de 2012

Prece por um padre

"Uma noite gaguejei uma prece por um padre que tem medo de morrer e tem vergonha de ter medo. Eu disse um pouco para Deus, com algum pudor: alivia a alma do Padre X..., faze com que ele sinta que Tua mão está dada à dele, faze com que ele sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que ele sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que ele sinta uma alegria modesta e diária, faze com que ele não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que ele se lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que ele receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-o para que ele viva com alegria o pão que ele come, o sono que ele dorme, faze com que ele tenha caridade por si mesmo, pois senão não poderá sentir que Deus o amou, faze com que ele perca o pudor de desejar que na hora da sua morte ele tenha uma mão humana para apertar a sua, amém. (Padre X... tinha me pedido para eu rezar por ele.)"

Clarice Lispector.
A descoberta do mundo, página 25, Livraria Francisco Alves Editora S/A, 1992.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Uma linha apontando para um mar de águas calmas
E eu perdido em ti, coração bandeirante
Retirante eterno das terras de dor
Emigrante moreno assustado de amor.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Miserere (trecho)

"...
Doía tudo, até que,
até que nada, não dói mais.
Recolhi-me ao corriqueiro estatuto
de comer, dormir, lavar-me,
recuperado o saudável desejo de que se fodam bem
determinadas pessoas em suas empresas.
..."
Adélia prado
Poesia reunida, página 293, Editora ARX, 1991.
É que eu venho tentando erguer uma ponte sobre um precipício.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

E a cada dia um novo olhar sobre as mesmas coisas vistas. Assim, reinventa-se em mim, a vida.

domingo, 22 de julho de 2012

Há algo que precisa ser dito na calada da noite, bem baixo e perto do teu ouvido. Algo que embora não pareça ter sentido pode te salvar. Ainda que tu não estejas perdido.

sábado, 21 de julho de 2012

Ponha o dedo
Pegue
Sinta
Sem medo
Sem vergonha
Toque
Cheire
Prove
Passe a língua no lugar
Experimente
Tente
E se não gostar
Prove do outro lado.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Canção amiga

"Eu preparo uma canção
 em que minha mãe se reconheça,
 todas as mães se reconheçam,
 e que fale como dois olhos.

 Caminho por uma rua
 que passa em muitos países.
 Se não me vêem, eu vejo
 e saúdo velhos amigos.

 Eu distribuo um segredo
 como quem ama ou sorri.
 Do jeito mais natural
 dois carinhos se procuram.

 Minha vida, nossas vidas
 formam um só diamante.
 Aprendi novas palavras
 e tornei outras mais belas.

 Eu preparo uma canção
 que faça acordar os homens
 e adormecer as crianças."

Carlos Drummond de Andrade
Literatura Comentada, página 84, Editora Nova Cultural Ltda. 1990

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Não ousaria te descrever em versos nem verbos
Há soltas palavras que uso para dizer de ti
Talvez o vento
Seu assobio de madrugada nas pedras do Arpoador
O sol a se pôr por detrás do Dois Irmãos
O fio do teleférico do Pão de Açúcar
Não pronuncio teu nome e és
Por dentre as marés e por sob os meus pés
O chão a que me recolho
O abismo na beira do olho.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

o que eu desejo é transformar em poesia o que com meus olhos vejo o que eu desejo é transformar em poesia o que com meus olhos vejo o que eu desejo é transformar em poesia o que com meus olhos vejo o que eu desejo é transformar em poesia o que com meus olhos vejo o que eu desejo é transformar