sexta-feira, 31 de agosto de 2012

"...
 Há sem dúvida quem ame o infinito,
 Há sem dúvida quem deseje o impossível,
 Há sem dúvida quem não queira nada-
 Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
 Porque eu amo infinitamente o finito,
 Porque eu desejo impossivelmente o possível,
 Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
 Ou até se não puder ser..."

 Álvaro de Campos.
Poesia de Álvaro de Campos, página 453 (trecho), Editora Martin Claret, 2006.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Eu lembro agora como fosse nunca, tudo ou mais
Eu acordo e te vejo passando pela porta do quarto
Eu lembro do teu resto e o teu rosto não importa
A tua foto na parede não me impressiona tanto quanto os teus movimentos
A tua presença
A vertigem.

O desejo vive a minha porta esperando
Eu quero abrí-la
E que você venha.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

"Começo a conhecer-me. Não existo.
 Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
 Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
 Sou isso, enfim...
 Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
 Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
 É um universo barato."

Álvaro de Campos.
Poesia de Álvaro de Campos, página 370, Editora Martin Claret, 2006.

domingo, 26 de agosto de 2012

Nome eu não tenho
Fome, alguma
Sede, desejo de vastas marés
Voar não sei
Cantar não posso
Gritar eu grito e emudeço
E desço as escadas que levam a minha alcova
Porão deserto, deserto frágil de mim.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Reflexão nº1

"Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
  Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
  Nem ama duas vezes a mesma mulher.
  Deus de onde tudo deriva
  É a circulação e o movimento infinito.

  Ainda não estamos habituados com o mundo
  Nascer é muito comprido."

Murilo Mendes
Antologia poética, página 34, Editora Fontana, 1976.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Alta tensão

"eu gosto dos venenos mais lentos
  dos cafés mais amargos
  das bebidas mais fortes
  e tenho
  apetites vorazes
  uns rapazes
  que vejo passar
  eu sonho
  os desejos mais soltos
  e os gestos mais loucos
  que há
  e sinto
  uns desejos vulgares
  navegar por uns mares
  de lá
  você pode me empurrar pro precipício
  não me importo com isso
  eu adoro voar."

Bruna Lombardi
O perigo do dragão, página 40, Editora Record, 1985.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Estrambote melancólico

"Tenho saudade de mim mesmo,
 saudade sob aparência de remorso,
 de tanto que não fui, a sós, a esmo,
 e de minha alta ausência ao meu redor.
 Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
 e tenho muitos outros sentimentos
 violentos. Mas se esquivam no inventário,
 e meu amor é triste como é vário,
 e sendo vário é um só. Tenho carinho
 por toda perda minha na corrente
 que de mortos a vivos me carreia
 e a mortos restitui o que era deles
 mas em mim se guardava. A estrela-d'alva
 penetra longamente seu espinho

 (e cinco espinhos são) na minha mão."

Carlos Drummond de Andrade.
Literatura comentada, página 96, Editora Nova Cultural Ltda., 1990.































































terça-feira, 21 de agosto de 2012

Desenho

"Traça a reta e a curva,
 a quebrada e a sinuosa
 Tudo é preciso.
 De tudo viverás.

 Cuida com exatidão da perpendicular
 e das paralelas perfeitas.
 Com apurado rigor.
 Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,
 traçarás perspectivas, projetarás estruturas.
 Número, ritmo, distância, dimensão.
 Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.

 Construirás os labirintos impermanentes
 que sucessivamente habitarás.

 Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
 Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
 E nem para teu sepulcro terás a medida certa.

 Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
 Raramente um pouco mais."

Cecília Meireles, 1963.
Os melhores poemas, página 182, Global editora e distribuidora, 1984.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

"de todos os versos de amor
 as rimas e frases reinventadas
 as jogadas de efeito
 os subterfúgios e os hai-kais
 anotações de diário
 de todos os nomes que dei
 para crises de adolescência
 e carências plagiadas
 de todo o minimalismo
 clichês e letras de música
 de toda a minha literatura
 você ainda é a melhor página"

Martha Medeiros
Poesia reunida, página 107, L&PM pocket, reimpressão de agosto de 2003.

domingo, 19 de agosto de 2012

"...
 Não, cansaço não é...
 É eu estar existindo
 E também o mundo,
 Com tudo aquilo que contém,
 Com tudo aquilo que se desdobra
 E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
 ..."

Álvaro de Campos.
Poesia de Álvaro de Campos, página 390 (trecho), Editora Martin Claret, 2006.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

tu não te moves de ti

"Para onde vão os trens meu pai?
 Para Mahal, Tami, para Camiri,
 espaços no mapa, e depois o pai ria:
 também para lugar algum meu filho,
 tu podes ir e ainda que se mova o trem
 tu não te moves de ti."

Hilda Hilst.
Com os meus olhos de cão e outra novelas, página 113, Editora Brasiliense S/A, 1986.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Saudade

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."

Clarice Lispector.
A descoberta do mundo, página 105, Livraria Francisco Alves Editora S/A, 1992.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

aliança

"De alguma maneira hoje
  quero casar com você...
  para mim este amor é diferente
  não é de papel passado,
  é amor de papel presente."

Elisa Lucinda.
A fúria da beleza, página 75, Editora Record, 2006.

domingo, 12 de agosto de 2012

"Não. Não creio que as palavras bastem.
  É no olhar
  que se maltrata
  e ri."

Clara Góes.
Poeira, página 69, impresso na Notrya Editora, 1992.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O verbo no infinito

"Ser criado, gerar-se, transformar
  O amor em carne e a carne em amor; nascer
  Respirar, e chorar, e adormecer
  E se nutrir para poder chorar

  Para poder nutrir-se; e despertar
  Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
  E começar a amar e então sorrir
  E então sorrir para poder chorar.

  E crescer, e saber, e ser, e haver
  E perder, e sofrer, e ter horror
  De ser e amar, e se sentir maldito

  E esquecer tudo ao vir um novo amor
  E viver esse amor até morrer
  e ir conjugar o verbo no infinito..."

Vinicius de Moraes.
Meu tempo é quando, página 9, Fundação Banco do Brasil, 1990.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Jogo

"Cara ou coroa?
  Deus ou o demônio
  O amor ou o abandono
  Atividade ou solidão.

  Abre-se a mão, coroa
  Deus e o demônio
  O amor e o abandono
  Atividade e solidão."

Murilo Mendes
Antologia poética, página 41, Editora Fontana, 1976.

domingo, 5 de agosto de 2012

Após o sonho aterrador a cama estava boquiaberta e os quadros me olhavam com espanto. O que será de mim agora?

Poética (II)

"Com as lágrimas do tempo
  E a cal do meu dia
  Eu fiz o cimento
  Da minha poesia.

  E na perspectiva
  Da vida futura
  Ergui em carne viva
  Sua arquitetura.

  Não sei bem se é casa
  Se é torre ou se é templo
  (Um templo sem Deus.)

  Mas é grande e clara
  Pertence ao seu tempo
  - Entrai, irmãos meus!"

Vinicius de Moraes.
Meu tempo é quando, página 36, Fundação Banco do Brasil, 1990.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Cio

"Quero dormir com você ou pelo menos
  te dar um beijo na boca
  o meu amor não tem pudor, nem acanhamento
  não tem paciência, não aguenta mais
  a urgência do desejo
  e eu te olho, te olho, te olho
  como se dissesse.

  Penso ele há de perceber, me encosto um pouco
  espero um gesto, um sinal, uma atitude
  que eu possa interpretar como resposta
  uma indicação
  mas você é um homem sério e continua
  se escondendo atrás dessas teorias
  e nem te brilha no olho uma faísca de tentação.

  ai, que aflição
  pensar no que eu faria
  se pudesse

  desejo que não acontece
  fica parado no peito
  ai, vira obsessão."

Bruna Lombardi
O perigo do dragão, página 32, Editora Record, 1985.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Amor - Vida

"Vivi entre os homens
  Que não me viram, não me ouviram
  Nem me consolaram.
  Eu fui o poeta que distribui seus dons
  E que não recebe coisa alguma.
  Fui envolvido na tempestade do amor,
  Tive que amar até antes do meu nascimento.
  Amor, palavra que funda e que consome os seres.
  Fogo, fogo do inferno: melhor que o céu."

Murilo Mendes
Antologia poética, página 43, Editora Fontana, 1976.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Quando conheci amor era menino
E desde lá que estremeço
Só de lembrar do seu nome.